Quem viveu a época da Guerra Fria do lado de cá do Muro de Berlim temia que os temíveis soviéticos iniciassem uma chuva atômica sobre nossas cabeças. No meio dos anos 80, Sting lançou uma luz sobre a possibilidade até então inimaginável de que os russos também amassem suas crianças. Em outras palavras, tirando meia dúzia de generais birutas das duas superpotências, ninguém em sã consciência queria o apocalipse.
Esse pavor é ainda mais evidente nos jogos eletrônicos que vem das antigas repúblicas soviéticas, como a franquia Metro não nos deixa mentir. Diretamente de Moscou, Serguei Sergueitché outro exemplar de desenvolvedor que transmite para nós os traumas de toda uma geração. Antes do magnífico, melancólico e pós-apocalíptico 35MM, ele criou um título mais curto, mas não menos magnífico, melancólico e pós-apocalíptico, batizado apenas de The Light.
Sua obra de estreia ganhou um bem produzido remake no Steam, que pode ser atravessado em pouco mais de duas horas. Novamente, temos aqui o primor quase fotográfico visto em 35MM, a poesia implícita dos espaços liminares de uma Rússia arrasada por uma guerra sem sentido. A imersão é imediata, assim como o mistério.
Cabe ao jogador reunir os fragmentos de uma história que é praticamente toda ambiental, sem personagens ou interações, o que apenas amplifica a mórbida solidão do seu universo. Não temos nome ou face e despertamos no que parece ser a carcaça abandonada de uma universidade. Pistas da tragédia aparecem aqui e ali, assim como visões horrendas daquele pesadelo nuclear da Guerra Fria.
Embora o jogo traga puzzles bem simples, é necessário prestar atenção em todos os detalhes e ter nervos de aço nos momentos em que The Light Remake abraça o terror psicológico na fronteira do sobrenatural.
Um (entre diversos) easter eggs presentes no jogo
Com uma narrativa que vai se adensando próximo do final, o peso e o impacto atingem com fúria. Mais uma vez, não há um final que gere um sorriso ou um alívio, apenas a reflexão.
É irônico que as tramas pós-apocalípticas do Ocidente tenham se tornado cada vez mais fantasias de poder sobrevivencialista, nas quais o mais forte triunfa e forja uma nova civilização sem as antigas leis, enquanto as tramas pós-apocalípticas do outro lado da Cortina de Ferro sejam cabisbaixos pedidos de socorro, regados a choque e espanto.