Quantcast
Channel: Retina Desgastada
Viewing all articles
Browse latest Browse all 1706

(não) Jogando: Hand of Fate

$
0
0

hand-of-fate-0001

A aleatoriedade exerce um certo fascínio sobre mim, a um nível quase obsessivo. Por exemplo, tenho uma pasta de e-books que acumulei durante anos, para finalmente ler agora em um Kindle. Para não gastar tempo desnecessário escolhendo ou acabar privilegiando obras mais populares, em detrimento de obras mais obscuras, utilizo um gerador de números randômicos. Da mesma forma, sempre há um jogo instalado em minha máquina que foi escolhido de forma aleatória entre um backlog vasto demais para ser derrubado. Hand of Fate foi um desses títulos decidido pelo acaso e virou série no canal.

É uma idiossincrasia? Provavelmente. É um comportamento saudável? Não sei dizer. Mas sei também que existe uma regra oculta nisso tudo: não sou refém da aleatoriedade. Se um livro sorteado não me agrada, ele é largado sem arrependimentos. O mesmo vale para jogos.

Ironicamente, a aleatoriedade está no âmago de Hand of Fate. O jogo nos traz um RPG linear em que a ordem dos eventos, o tipo de inimigos, a recompensa das missões e dos combates, tudo está contido em um barulho de onde as cartas brotam ao acaso. Ou deveriam brotar ao acaso. Somos convidados de uma figura misteriosa, que literalmente dá as cartas de nosso destino. É uma mistura de mestre de jogo e narrador, que irá nos conduzir por uma série de desafios para derrotar seu exército de criaturas.

hand-of-fate-0003

Conceitualmente, a ideia é fascinante. Na prática, o jogo está para um RPG autêntico o mesmo que Paciência está para uma partida de Pôquer (nunca joguei nenhum dos dois, peço perdão antecipado por uma eventual metáfora mal aplicada). Falta jogabilidade emergente, sobram movimentos mecânicos e cartas repetidas. Da mesma forma que uma partida de Paciência pode servir para passar o tempo (principalmente se você está entediado no escritório), Hand of Fate pode servir para passar o tempo, na falta de opções melhores de jogo. Nenhum dos dois cenários se aplica a mim.

Essa entidade misteriosa ostenta uma prosa refinada que mais aborrece do que cria uma atmosfera. Parece algo criado por uma Inteligência Artificial, não textos vívidos escritos por um roteirista engajado. Ele vai puxando cartas que já vi várias vezes antes, me apresentando situações pelas quais já passei antes, na expectativa de aparecer uma rara carta inédita e um novo desafio. Entre um momento ou outro de genialidade, o jogo acaba nos brindando com um combate que não é decidido nas cartas, mas em um sistema de ação limitado de ataques e bloqueios, contra oponentes mal modelados em níveis desinteressantes.

hand-of-fate-0002

Há algo de livro-jogo em Hand of Fate, nas decisões que ele oferece em determinados pontos, mas a mesma repetitividade dos livros-jogos marca presença aqui, sem, no entanto, colocar na mesa a mesma qualidade narrativa dos melhores livros-jogos. Teoricamente, o jogo nos oferece a possibilidade de customizar nosso próprio baralho, mas é trabalho demais para continuar tendo acesso às mesmas cartas.

Desta forma, Hand of Fate carece de variedade, carece de agência, carece de adrenalina, carece de motivação. O que eu estou fazendo aqui? Quem sou eu? Por que estou me submetendo ao jogo dessa entidade? Por que eu estou me submetendo aos desígnios de uma falsa aleatoriedade? Eu escolho meu caminho mais uma vez e esse caminho me leva para longe de Hand of Fate e de volta para os braços da verdadeira aleatoriedade.

Ouvindo: Jason Graves - Scaling the Ziggurat

Viewing all articles
Browse latest Browse all 1706

Trending Articles