Os produtores de Arcane tinham a opção de jogar no seguro e dar uma continuação previsível da primeira temporada. Felizmente, eles optaram por uma obra que eleva o original a níveis inacreditáveis, com escolhas narrativas que desafiam todas as expectativas e um tema central que beira o incompreensível. Ao mesmo tempo, o departamento de arte também conseguiu ir além, elevando o status da animação a algo que eu, em muitos momentos, apenas apreciava boquiaberto, sem entender muita coisa mas com essas desgastadas retinas entorpecidas em uma viagem lisérgica.
Talvez o único grande erro da segunda temporada de Arcane seja o distanciamento no tempo. Um intervalo de quase três anos entre a primeira e a segunda parte criou um abismo mnemônico em que guardei poucas informações. Ainda assim, a segunda temporada não perde um minuto para recapitular os eventos anteriores e segue a toda velocidade, frequentemente resgatando personagens e situações em que meu filho e eu ficávamos nos perguntando: “eu deveria saber quem é essa pessoa?” ou “o que tinha acontecido mesmo?”.
Para complicar ainda mais, a trama de Arcane dá uma guinada forte para o lado mágico do universo de League of Legends e as questões políticas e sociais da primeira temporada passam a ocupar um lugar secundário diante de eventos que ameaçam nossa própria concepção da realidade. Repentinamente, Piltover está no centro de uma ameaça existencial e o grande vilão finalmente assume sua forma final.
Reviravoltas dão a tônica dessa segunda temporada. Não há absolutamente um único personagem que não passe por uma guinada. Se antes o compasso moral de todos era bastante ambíguo, agora os papéis definitivamente se invertem com muita frequência. Eu aprendi a desprezar personagens que antes eu curtia e a amar aqueles que odiava. Personagens que eram praticamente terciários da primeira temporada agora assumem lugar de destaque e mostram que também são dotados de muitas nuances. Há momentos para rir, há momentos para chorar, há momentos para amar e há momentos para gritar nessa segunda temporada, demonstrando que seus roteiristas não tinham qualquer medo de mexer com o que podia ser considerado imutável.

Tudo isso movido por um caleidoscópio gráfico de dar inveja a muitas obras cinematográficas. A equipe de animação de Arcane tem seu lugar guardado como um dos melhores times dessa mídia. Não por acaso houve um hiato tão grande entre as temporadas. Cada frame foi trabalhado com a paleta de cores mais correta possível para produzir o efeito mais visceral possível. Se antes cabia a comparação com o trabalho do Aranhaverso nos cinemas, agora Arcane transcende a referência, adiciona elementos de 2001 e toma caminhos visuais tão únicos que será complicado superar.
A sinergia com a música também cresce. É como se tudo fosse maior e melhor na segunda temporada: trama mais robusta, temas ainda mais profundos, personagens ainda mais complexos, animação ainda mais rebuscada e agora também uma integração musical impressionante. Arcane é um disco conceitual que se assiste, uma máquina de videoclipes, sem cair no lugar-comum dos musicais. Cada faixa licenciada, cada acorde instrumental está tocando no momento certo para envelopar o sentimento que a cena exige.

Sonho com o próximo trabalho dessa equipe de artistas. De um dos mundos mais subestimados dos jogos eletrônicos, eles extraíram uma experiência magistral. Que venham outros universos, outros sonhos, outros personagens cativantes.