Desde 1998, se falava de uma adaptação cinematográfica de Fallout. Desde que coloquei meus pés pela primeira vez nas Terras Devastadas tardiamente em 2000, eu esperava por uma adaptação cinematográfica de Fallout, aquela que se tornou uma de minhas franquias mais amadas de todos os tempos (três jogos na Lista de Favoritos não é pouca coisa). Era um sonho, é claro, uma possibilidade remota que imaginava que ninguém jamais cogitaria fazer. Se alguém fizesse, seria um arremedo, um sub-Mad Max de baixíssimo orçamento.
Fizeram.
E é fantástica.
Fallout, a série do Prime Video, é uma prova de que, com o orçamento correto, um universo coeso, e uma equipe de talento, não existe sonho impossível. Ousaria dizer que a série não apenas fez jus à franquia original como ainda foi capaz de expandi-la em direções que muito me agradaram.
É perceptível o esmero de seus realizadores em ser fiel às minúcias estéticas do universo de Fallout. Tudo está ali: os abrigos são reproduzidos em cada parafuso, em cada porta, em cada objeto decorativo, uniforme, tecnologia. A armadura icônica da Brotherhood of Steel surge em cena se locomovendo com efeitos práticos e palpáveis, como se fosse realmente possível criar algo daquele tipo que funciona. As referências se multiplicam a um milhão por hora: Dogmeat, Vault Boy, Mentats, Jet, Salsaparrilla, Shady Sands, Vertbirds. Está tudo ali, até o último segundo do último episódio, entregando aquilo que as retinas dos fãs ansiavam ver em toda sua glória não-digital.
Tudo isso com a vantagem de não alienar novas audiências. A exposição é orgânica. Assisti com meu filho, que, lamentavelmente, a despeito de minhas influências, nunca encostou em um jogo da franquia. Para ele, também foi uma paixão instantânea. Nada ficou confuso demais ou com informações demais. Cada elemento seminal era apresentado no ritmo correto ou de forma totalmente natural.

Felizmente, a série esquiva dos aspectos mais camp dos jogos, assim como evita alguns elementos que talvez soem fantásticos demais, como Harold, vampiros, Supermutantes ou mesmo toda a questão do FEV.
Em busca de uma âncora ainda maior com a realidade, somos então apresentados ao passado, ao mundo antes do apocalipse. Os primeiros minutos são sufocantes como nunca. Uma nova imagem da guerra nuclear foi desbloqueada para nos assombrar por décadas. Também conhecemos uma parte da História que nunca foi contada, como a criação do Vault Boy ou os interesses extremamente escusos por trás de tudo. É nesses momentos que a série vai além e brilha: não se trata somente de saudar os fãs com a mimetização daquilo que eles já admiram, mas escrever seu próprio capítulo nessa já imensa Bíblia. Não se trata de pegar esse ou aquele jogo e transpor para a tela, mas contar uma nova jornada de um novo vault dweller, um novo espírito inocente que irá desbravar um mundo modificado e selvagem.

O roteiro é habilmente construído e conseguiu uma façanha que considero cada vez mais rara: me surpreender. Não percebi os dominós se alinhando até o último capítulo, quando a franquia produz um desfecho cruel e brutal como convém aos melhores Fallout. Lembro claramente de falar ao meu filho antes do episódio começar: "tem muita ponta solta, tem muita coisa que vai ficar para a segunda temporada". E eles fecharam a maioria das pontas com precisão cirúrgica.
A primeira temporada se encerra deixando aquele amargo na língua que prova, acima de tudo, que a guerra… a guerra nunca muda.