(publicado originalmente no Gamerview)
A versão original do jogo 2048 foi lançada na internet em março de 2014. Foi desenvolvido em um final de semana, pela italiana Gabriele Cirulli, de apenas 19 anos. Gabriele só queria saber se ela conseguiria criar um jogo do zero, mas acabou criando um fenômeno. Um fenômeno que sobrevive onze anos depois e se mutacionou, assimilando elementos de RPG e gerando 2048 – Dungeons.
O título da brasileira Retroverse Studio pega um conceito que aparentemente já tinha rendido tudo que tinha para render e injeta em um cenário de fantasia, com novas habilidades, buffs e debuffs, enquanto tenta montar um fio condutor para nossa jornada. Essa quimera impossível acaba se revelando um título delicioso em sua simplicidade, viciante em sua essência.
Senta Que Lá Vem História
Não há propósito algum no 2048 original. O jogador apenas funde números múltiplos de 2 para gerar números progressivamente maiores dentro de um tabuleiro. O código está aberto para quem quiser aprender e evoluir a proposta. A Retroverse Studio pegou a ideia e fundiu com outras, gerando um título mais grandioso, porém, sem perder o foco: a mecânica.
Em 2048 – Dungeons, temos então um universo mágico onde uma passagem dimensional se abriu no passado e um mal ancestral escapou. Esse mal foi aprisionado por um mago através do poder de combinar números múltiplos de 2. Como e por quê isso funciona jamais é explicado e não importa. Precisamos falar sobre o elefante no meio da sala: quem decidiu que batalhas de RPG precisam ser travadas com dados? Por que não quadrados com números? Portanto, o tal mal foi aprisionado usando o poder dos múltiplos de 2.
Como compete a qualquer RPG que se preze, o mal se libertou outra vez e agora cabe a aventureiros aleatórios descer nas profundezas da terra e expurgar esse covil de trevas de uma vez por todas. Usando números em quadrados, é claro.
Tudo isso é um envelope para uma jogabilidade de gerenciamento que remete a Darkest Dungeon, porém sem crueldade e a sensação de desespero que permeia o outro jogo. Em 2048 – Dungeons, escolhemos uma entre quatro classes de personagens (Mago, Clérigo, Ladino, Guerreiro), cada um com uma habilidade especial para alterar os quadradinhos numéricos. Descemos nas masmorras, lutamos, acumulamos dinheiro, invariavelmente morremos. Porém, o dinheiro será utilizado para reconstruir a cidade e cada nova construção dará benefícios permanentes para o próximo herói, assim como a possibilidade de recrutar aliados.
Esse envelope narrativo é resgatado aqui e ali, em fases que não são de combate, mas de escolhas. Abrir um baú que pode ser um mímico ou não? Arriscar a sorte em um encontro aleatório ou ignorar? Existe até mesmo uma “lojinha” no meio de cada masmorra com vantagens que podem ser desbloqueadas temporariamente, mas que, infelizmente, também vem atadas com desvantagens. Existe um arco dramático maior a ser desvendado, ainda que não seja o foco de 2048 – Dungeons.
Tudo isso é tratado com um bom humor que não escorrega para a comédia desenfreada, mas serve para adicionar simpatia como outra camada de 2048 – Dungeons.
1024+1024 Sempre Dão 2048
Essas camadas adicionais de RPG dão o charme estratégico do jogo. Se você quer jogar 2048 como Gabriele Cirulli concebeu lá atrás, o jogo ainda está disponível gratuitamente em seu site original e dúzias de clones existem nas lojas de dispositivos móveis (com anúncios). Ninguém está te segurando. Porém, a Retroverse Studio coloca algumas regras novas que aumentam o nível de desafio.
Determinados personagens podem dobrar instantaneamente o valor de um determinado quadrado. Outros podem trocar a posição de quadrados. Existem aliados que podem roubar ouro dos inimigos ou paralisá-los. Os inimigos, por sua vez, vão plantar armadilhas no tabuleiro, armadilhas que podem provocar dano no time, trancar quadrados ou simplesmente ocultar seus valores.
Existe uma boa dose de imprevisibilidade em 2048 – Dungeons, mas a matemática permanece a mesma, o núcleo de um 2048 está ali. O sistema de pontos de vida nem chega a ser preocupante. Nas 6 horas em que me dediquei de forma quase compulsiva a sucessivas sessões, eu morri apenas uma vez por dano sofrido. Em todas as outras derrotas, eu simplesmente deixei o tabuleiro se encher, a condição de derrota que está presente no jogo original.
Portanto, mais do que entender de RPGs ou gerenciamento de estatísticas, o jogador precisa dominar 2048. É aqui que reside um dos poucos defeitos da experiência: sinto que a desenvolvedora poderia ter ousado um pouco mais com as possibilidades. O conjunto de poderes disponíveis, tanto para heróis quanto para aliados e monstros é limitado e acaba afetando o tabuleiro menos do que poderia. Porém, talvez mexer demais acabasse afetando a essência do que um jogo 2048 é.
Falando em defeitos, a música acaba cansando. Uma vez que a jogabilidade de 2048 – Dungeons exige múltiplas rodadas para se avançar, a música fica menos impactante a cada repetição e mais enjoativa. As animações de armadilhas e feitiços também poderiam ser ligeiramente mais curtas, ou talvez eu seja apenas impaciente.
Atenção: 2048 – Dungeons Vicia
Para quem não se importa com história ou gerenciamento de estatísticas e efeitos, existe o modo Arcade, que remove tudo isso. Para quem só quer mesmo curtir um 2048zinho da massa, existe ainda o modo Endless, que simplifica a jogabilidade ainda mais, traz uma arena neutra e uma horda infinita de inimigos, com direito a ranking (ocupava o quarto lugar mundial, no momento em que esse review foi escrito).
Independente do modo, 2048 – Dungeons vicia. É saboroso ver os números crescendo, ainda mais com a preocupação de estar atento a outros detalhes, como vida, armadilhas e cooldown de habilidades. Ao contrário de muitos roguelikes, fica claro que a aleatoriedade não tem um peso injusto e fica claro também que a persistência tem recompensas palpáveis. Derrotarei algum dia o grande mestre final com 2048 de vida? Não sei, mas será divertido chegar até lá.