Como um jogador de Schrodinger, gostei e não gostei de Firefall, um MMORPG que tenta ao mesmo tempo romper com determinadas tradições do gênero enquanto cai nas armadilhas que outros já pularam.
Esclareço de imediato que só joguei 4 horas, em quatro seções distintas e sempre com meu filho empolgadíssimo do meu lado sem parar de falar ou apertar o botão de pulo por um minuto inteiro. Em contrapartida, uma hora de ArcheAge já foi determinante para saber que o jogo não me queria por lá e na primeira hora de Guild Wars 2 eu já sabia que aquele era um mundo onde eu queria passar muito mais tempo.
Considero esses primeiros momentos muito relevantes para me cativar, embora as desenvolvedoras sempre se preocupem mais com o chamado conteúdo final, o ending game para personagens semi-deuses de altíssimo nível. A primeira hora de Star Wars: The Old Republic teria sido fatal para minha avaliação do jogo, se não fosse a cenoura da da franquia na ponta da varinha me impulsionando a seguir em frente. Já o finado Warhammer Online era misterioso e sombrio o bastante para atiçar a curiosidade.
Nas primeiras quatro horas de Firefall matei aranhas, aranhas e mais aranhas. Eventualmente alienígenas armados. Mas, basicamente, aranhas.
O lore do jogo é despejado sobre minha cabeça aos borbotões, em diálogos rápidos demais. Sei apenas que estou em Copacabana, mas não tem praias por aqui, nem vendedores de Mate Leão ou as famosas pedras portuguesas. Mas existem cogumelos gigantes, um nave colossal caída no oceano e um horizonte a perder de vista, sinais de um dos mais bonitos jogos que já experimentei. Os gráficos são mesmo deslumbrantes. Pena que eu não sei direito o que estou fazendo aqui.
Na primeira hora, acontece um tipo de tutorial, onde o jogo te puxa pela mão e mostra uma penca de coisas legais de uma vez só: os jetpacks, os gliders, os tiroteios nervosos, as motocicletas futuristas de Akira. Ainda sonso com tudo aquilo, você é largado no cenário e agora é bola pra frente. As missões disponíveis a seguir envolvem matar aranhas, muitas aranhas, "aranhas" mesmo em bom Português porque estamos em Copacabana, não podemos esquecer.
Firefall não tem classes como conhecemos. Existem battleframes, ou tipos de armadura adequadas para cada função e você pode trocar a qualquer hora nas bases. Basicamente, você pode trocar de classe ao seu bel-prazer até encontrar uma que se adeque ao seu modo de jogar. A evolução de nível é exclusiva para cada battleframe. Comecei com Assault, troquei para Engineer e não tenho o que reclamar de nenhuma das duas. Exceto talvez as habilidades que pouco acrescentam ao combate.
Firefall também não parece ter um mercado como conhecemos. Existem pelo menos quatro tipos diferentes de moedas, para diferentes lojas. Embora seja um jogo F2P com microtransações, o uso de dinheiro real não é imposto aos jogadores e os itens que você pode comprar com grana ou são cosméticos ou são coisas que você mesmo pode fabricar ou adquirir de outras formas. Demorei horas para descobrir que é possível e até incentivado montar seu próprio equipamento. Mas trocaria facilmente todas essas lojas e crafting por um bom e velho modelo de loot-vender-comprar. Como é um jogo de ficção-científica, todo o jargão é adaptado para o futuro, então, craftingé "impressão em 3d", "quests" são "jobs" literalmente publicados em um quadro de avisos.
Uma missão envolve você ter que andar dezenas de metros até um sujeito que exige conversar olho no olho mesmo nessa época, depois andar centenas de metros até outro lugar, matar X aranhas, andar centenas de metros até outro ponto, matar X aranhas, andar centenas de metros até um terceiro marcador, matar X aranhas, voltar tudo para falar com o primeiro cara. Enquanto isso você faz isso, o operador de áudio não para um segundo de falar no seu ouvido e você não sabe se lê aquela historinha (se o seu inglês não for bom para tirar de ouvido) ou se concentra nas lutas.
Há um risco real de sua munição acabar no meio do combate, a menos que tenha um ponto de munição por perto (nem sempre tem) ou você tenha fabricado antes de sair por aí. Sua arma primária tem um tiro secundário, que é inútil. Sua arma secundária também tem dois modos de tiro, ambos inúteis. Se você precisa usar sua arma secundária, é melhor encomendar o caixão. O que é uma pena, porque eu achei a maioria das armas secundárias bem mais interessante que as primárias até agora: escopetas, metralhadoras e até lança-granadas, enquanto a primária é aquele clichê futurista de pew-pew-pew.
A ação é acelerada, similar a um FPS. Até porque é possível mudar o campo de visão para primeira pessoa. As habilidades exercem pouca influência durante a luta, então atire e esquive (ou pule) e você estará com a vitória em mãos. É um daqueles raros MMOs onde você não precisa ficar o tempo todo de olho no cooldown dos poderes. Só na munição mesmo. Em contrapartida, você sacrifica o aspecto tático dos tiroteios e não há animações sensacionais que façam você se sentir um exterminador de vilões.
Então, o que é legal em Firefall? O cenário. É uma versão sci-fi do saudoso Morrowind, com plantas exóticas, artrópodes gigantes, grandes colinas e uma água plácida. Dá muito gosto sair para explorar, principalmente com o uso do jetpack e seus pulos turbinados. Ao contrário de tantos outros MMOs, a paisagem não está infestada de monstros randômicos, então o passeio é seguro na maior parte do tempo. Meu filho adora escalar montanhas e ver quão alto podemos chegar. Firefall tem consciência disso e seu mapa privilegia bastante os espaços verticais.
Completei todas as missões de Copacabana e não faço a menor ideia de onde poderei ir agora para seguir o fluxo normal do jogo. Mas pelo menos estou livre agora para sumir na distância, talvez encontrar a glória, talvez encontrar outro assentamento humano. Talvez encontrar a morte. Talvez encontrar a desinstalação. Tudo é possível em Firefall.