Hoje meu filho e eu pegamos carona para a escola com um casal que faz o mesmo trajeto todo os dias. Eles tem um garoto que estuda no mesmo lugar, um ano acima do meu filho. As crianças descobriram uma paixão em comum: Minecraft. Os pais dele não entendem e não jogam.
Hoje, o pai comentou que tem umas partes do jogo que ele não gosta. No que o garoto emendou: "... por causa da religião". O pai tentou explicar que tem "tipo um Inferno no jogo" e meio que balbuciou que tem certas coisas que uma criança não deveria ver e tudo mais.
Eu deveria ter respondido na hora algo mais significativo e admito que uma certa dose de covardia falou alto ali, mas a trajetória escolar dessas crianças é longa e oportunidades aparecerão.
O jogo é classificado segundo o sistema adotado no Brasil como "Livre para todos os públicos", segundo o padrão PEGI, ele pode ser jogador por maiores de 7 anos e a versão disponível no iTunes é classificada pela eterna pudica Apple como adequado para maiores de 4 anos, então não sou apenas eu que estou dizendo coisas tiradas da minha cabeça.
O Nether é claramente inspirado no Inferno cristão. Sem dúvidas. É um lugar de lava fervente, constante luz vermelha, onde o Sol não brilha, habitado por criaturas grotescas e o típico lugar virtual que você até visita, mas sempre com medo de ser morto. Talvez, para quem desconhece o mundo dos jogos eletrônicos e tenha tido uma educação rígida nos preceitos bíblicos, a imagem abaixo assuste:
Mas, repito aqui um discurso que fiz lá atrás nos primórdios do blog: não é como se seu filho ou aquele primo esquisitão ou o filho do vizinho "que mexe com essas coisas" entrasse nessa dimensão e passasse a sacrificar ovelhas para glorificar Asmodeus ou algo parecido. O Nether é uma dimensão de medo, de perigo, de atenção aos detalhes. Foi criado para assustar, não para ser adorado ou normatizado ou o novo lar das crianças. Cada criatura que habita esse espaço está pensando seriamente em matar seu personagem (à exceção dos Homens-Porco-Zumbi, a menos que você fira um deles,aí, sim, eles também estão pensando em matar seu personagem).
Então, como o Nether, com sua representação do Inferno, que não difere da mesma iconografia que já aparece na Bíblia e no imaginário cristão, pode ser uma má influência? Sendo otimista, é uma excelente peça de propaganda contra os horrores da danação eterna. Em pouco difere da pregação convencional do fogo e enxofre. Pergunte a qualquer jogador de Minecraft: o Nether é um lugar para entrar, conseguir alguns ingredientes e fugir com sua vida.
Talvez seja o caso de sentar e tentar entender. Se algo como Minecraft pode torcer narizes por causa da religião, não é de se espantar que divergências mais profundas gerem tanto rancor no mundo real. E, para esse, não há ainda blocos para resolver tantos problemas.