Na madrugada, vendo os créditos finais de Alpha Protocol, possivelmente o único RPG de espionagem jamais feito, tive a síntese perfeita do jogo. Uma voz de telejornal narrava as consequências de minhas decisões no cenário geopolítico mundial enquanto imagens cruzavam a tela com momentos importantes da trama que deixei alongar por meses. O final perfeito. Depois dos créditos, o jogo travou e tive que fechar a partir do Windows.
Alpha Protocol é isso: um título magnífico sabotado por falhas constantes em seus aspectos técnicos. Apesar dos pesares, um belíssimo exemplar de como é possível construir uma narrativa adulta, complexa e fugir de muitas convenções do RPG.
Na criação da Obsidian, você é um agente secreto que é traído pela organização para qual trabalha logo na primeira missão e precisa se tornar um renegado para debelar uma conspiração de grandes proporções. Sim, você já viu ou leu essa história várias vezes e, possivelmente até mesmo jogou algo bem parecido. Mas a forma como a desenvolvedora entrega a trama é o grande charme de Alpha Protocol.
A estrela da aventura é o sistema de conversação e informação. As respostas que você dá para cada situação tem consequências e modelam o andamento da história de maneiras muito mais profundas que na maioria dos títulos que conta com essa abordagem. Quanto mais informação você sabe sobre a pessoa com quem você está dialogando, mais fácil se tornam as escolhas, mas, para isso, você como jogador precisa ficar atento para os detalhes, ler os dossiês e dançar conforme a música. Entretanto, a própria Obsidian informa que não há um caminho certo ou errado para jogar Alpha Protocol, mas diferentes desfechos para diferentes jogadores, então também é possível confiar apenas nos instintos e deixar a onda levar.
Sua complexidade beira o caos: são inúmeras facções com diferentes interesses atuando em diferentes regiões do mundo e você precisa passar por elas, como inimigo, neutro ou mesmo aliado. A insegurança é uma constante e a punhalada nas costas é aguardada a qualquer momento. Na verdade, a trama fica tão intrincada que acompanhar se tornar o maior desafio, enquanto o jogo posta no seu caminho um rol de personagens intrigantes: uma charmosa jornalista, uma guarda-costas muda, um lunático sádico, um mafioso oitentista egocêntrico, um agente chinês que parece saído de um anime, entre vários outros, sem nunca cair na caricatura fácil.
É um título onde é possível se importar até mesmo com os vilões e que, na minha jornada, culminou em uma das mais merecidas execuções dos jogos eletrônicos: apertei o gatilho e apertei com gosto.
Mas, se em termos narrativos e de imersão, Alpha Protocol brilha, é nas mecânicas de combate que novamente o RPG deixa a desejar. A exemplo do primeiro Mass Effect, seu calcanhar de Aquiles está na hora do mata-mata. A impressão que fica é que os rumores são autênticos: o jogo deveria seguir por um caminho mas a produtora exigiu mais combate e esse foi feito às pressas. No caso, a Sega colocou uma equipe interna para ajustar o jogo e dizem que nos últimos seis meses de desenvolvimento a Obsidian nem teve mais acesso ao código.
O resultado é um jogo que privilegia a abordagem furtiva, mas que perde muito de sua fluidez com controles imprecisos e falhas quando o alarme toca e o confronto se instaura. A Inteligência Artificial é capaz de olhar para as paredes no meio de um tiroteio. Mirar, mesmo com uma arma de longo alcance repleta de evoluções, é um sofrimento e o rifle de sniperé uma piada onde um tremor na mão pode tirar o foco por metros de diferença. São vários os pequenos detalhes que te fazem lembrar que está em um jogo e não em uma aventura de espionagem: botões que precisam ser apertados mais de uma vez para funcionar, som dos diálogos baixo mesmo no máximo, frases repetidas de NPCs e até mesmo chefes, texturas que saltam aqui e ali e bugs na hora de fechar.
Esses pequenos problemas mais uma grande quantidade de outros bugs na época do lançamento condenaram Alpha Protocol a um injusto esquecimento. A produção da Obsidian pode não entregar o grande RPG que poderia ter sido, mas, dado os longos quatro anos de desenvolvimento, a interferência da Sega e o fato de estar trilhando um terreno totalmente desconhecido, Alpha Protocol supera seus problemas e, para mim, é uma aventura única que dispensa continuações (a produtora foi categórica que nunca haverá), mas merece ser experimentado e deixar herdeiros.