Minha experiência com World of Warcraft não foi das melhores, meu conhecimento de seu loreé praticamente nulo e filmes baseados em jogos eletrônicos costumam ser realizados com pouco esmero ou mesmo interesse de seus realizadores. Consequentemente, minha expectativa em relação a Warcraft era bem baixa. O subtítulo nacional, O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos, não ajudava muito.
E, de fato, verdade seja dita, o primeiro terço do filme prenunciava o desastre que havia construído em minha mente. Havia personagens demais na tela, com atores pouco expressivos e uma necessidade quase obsessiva de mostrar o maior número possível de cenários baseados no jogo nos primeiros minutos. A impressão que deixou era que o diretor estava tentando agradar somente a audiência que já possuía um conhecimento prévio do seu universo, uma vez que era quase impossível para um espectador médio criar uma ligação com o filme.
A grande verdade é que o primeiro terço é um trem sem freio, apressado, pesado, admirável talvez, mas dava a sensação que terminaria de forma catastrófica.
Fui surpreendido com uma história de fantasia que não tem medo de empregar a brutalidade como recurso narrativo e traz personagens com mais facetas do que se costuma ver em títulos do gênero.
Fui surpreendido com um filme bom.
Não sei se a safra recente de filmes de fantasia tem seguido aquele modelo asséptico padrão dos contos de fada, mas Warcraft me pegou despreparado. Há mais ali de Conan, o Bárbaro do que de Crônicas de Nárnia. A obra de Duncan Jones não hesita em mostrar a violência e me surpreende que tenha obtido classificação indicativa tão baixa lá fora, provando que basta mudar a cor do sangue para verde que os reguladores fecham os olhos.
E, outra surpresa, Duncan Jones, o diretor, que por obra do destino também é filho do finado David Bowie, não usa a violência como recurso gratuito, pelo espetáculo ou para chocar. Ela se torna uma ferramenta em suas mãos para mostrar o choque de culturas, para marcar com ferro o que significa ser um Orc. É uma abordagem tão interessante que os Uruk-hai de Peter Jackson parecem meras buchas de canhão em comparação. A Horda aqui é o mais ameaçador grupo de Orcs que já vi em várias mídias.
Apesar de parecer perdido em conduzir o enredo ou seus personagens, Jones encontra seu Norte logo em seguida depois dos tropeços do início. Sem que eu me desse conta, comecei a me importar com aqueles sujeitos na tela, alguns deles meras criações em CGI. Sofri, urrei e fiquei em choque em mais de uma cena. Há personagens no filme que realmente não fazem sentido, resultado do excesso deles na trama e da duração engessada em duas horas cravadas, mas o punhado de indivíduos em torno do qual gravita o enredo, vale a pena ser acompanhado.
Da brutalidade emerge o drama, porque aqui a violência tem sua consequência. Erros são cometidos, vidas são ceifadas e temas como lealdade, política e honra são utilizados de uma forma mais madura do que se costuma ver nas fantasias açucaradas destiladas por Hollywood. O final é amargo, mas repleto de possibilidades.
Não é um filme perfeito, não é um Retorno do Rei, e seu elenco apresenta limitações, mas é uma grata surpresa de uma noite de sexta-feira e uma prova cabal de que é possível fazer um filme de qualidade que se inspire em um jogo. Basta respeito.