Antes de tudo se faz necessário explicar que acredito na possibilidade de se separar a arte do artista. Orson Scott Card pode ser um homofóbico de carteirinha, mas isso não me impede de apreciar a genialidade de O Jogo do Exterminador, por exemplo. A Electronic Arts e, por extensão, a Bioware, podem ter aplicado as mais estúpidas práticas comerciais com relação à Mass Effect, mas isso não interferiu em minha capacidade de apreciar a trilogia.
Este posicionamento também se aplica à Gearbox Software? Sim. Exceto que eu não curti Borderlands. Nem Brothers in Arms.
Entretanto, voltando mais de uma década no tempo, para os primórdios da empresa, posso afirmar que os ports deles de Halo e da série Tony Hawk são trabalhos que guardo no coração, assim como as expansões do primeiro Half-Life. Opposing Force é um clássico instantâneo. Obrigado, Gearbox.
Mas esta postagem não é exatamente sobre os jogos da desenvolvedora. Borderlands 2 vendeu e ainda vende mais do que água no deserto, de onde se conclui que ele estão fazendo alguma coisa certa, ainda que esta coisa não tenha um jogador como eu no seu foco de ação. Esta postagem é sobre um sistemático padrão de decisões gerenciais ou criativas que beiram o mau-caratismo.
O Duke Nukem Que Você Nunca Irá Conhecer
Que o projeto de fã Duke Nukem Reloaded foi engavetado para sempre, é algo de que talvez você se recorde de ter lido por aqui. Quase dois anos depois, o líder do projeto coloca a boca no trombone e revela o tumultuado bastidor da produção e o papel da Gearbox Software em seu cancelamento.
“Nós fechamos o projeto nós mesmos baseados no que a Gearbox nos disse, que não haveria nenhuma chance, nem uma mísera chance, de que nós o lançaríamos, de que eles permitiriam que fosse lançado algum dia. Eles o viam como um projeto que nós poderíamos desenvolver para nós mesmos e isto era algo em que não estávamos interessados, nós queríamos compartilhá-lo com o mundo".
Para quem não lembra, Frederick “fresch” Schreiber tentou recriar Duke Nukem 3D usando a Unreal Engine 3. Sua obra ganhou fôlego quando recebeu a benção da 3D Realms, criadora do jogo, e a "permissão" da Gearbox, nova dona da marca. Schreiber montou uma equipe e caiu dentro por mais de um ano. Mas, o jargão jurídico se mostrou, como sempre, uma armadilha.
“O contrato que nós tínhamos não especificava um lançamento. Ele especificava que nós tínhamos permissão de criar o jogo sob uma licença não-comercial. Nós deduzimos que, se tínhamos uma licença não-comercial isso significava que poderíamos trabalhar no jogo de graça e então lançá-lo de graça para os fãs".
Não era bem assim, como Schreiber descobriu ao visitar os escritórios da Gearbox. Faltava pouco para o lançamento de Duke Nukem Forever e o quarto título da franquia não estava sendo bem recebido pelas primeiras análises, para dizer o mínimo. O clima era tenso. Segundo o desenvolvedor, a reunião foi estranha. Os executivos ficaram muito satisfeitos com o demo apresentado de Duke Nukem Reloaded, mas também ficaram muito incomodados. Chegaram a dizer para ele para não mostrar, sob nenhuma circunstância, nada daquilo para ninguém mais. Aparentemente, eles estariam esperando uma versão HD, uma retexturização ou algo assim do velho Duke Nukem 3D e não uma recriação do zero que parecia rivalizar com títulos AAA.
Bom demais para seu próprio bem?
Schreiber conclui que a Gearbox Software estava em uma posição perigosa: tinha em uma mão uma amaldiçoada continuação oficial de Duke Nukem 3D e largo investimento da 2K Games e na outra um trabalho de fã que tinha saído melhor que a encomenda e poderia ofuscar o sucesso de Duke Nukem Forever.
Apesar da experiência traumática, Schreiber afirma que entende a decisão da Gearbox e acredita que sua criação ainda pode ressurgir no futuro, agora que Duke Nukem Forever já perdeu impulso. Enquanto isso, o desenvolvedor e seu time de profissionais, a Interceptor estão lançando o novo Rise of the Triad nesta quarta-feira. De um jeito ou de outro, eles conseguiram refazer um FPS clássico.
Aliens: a Fraude
Durante a E3 de 2011, Randy Pitchford e sua Gearbox Software exibiram uma demo em uma sala fechada para jornalistas. Era Aliens: Colonial Marines, não apenas um capítulo canônico na franquia dos xenomorfos mas também uma promessa de jogo para a próxima geração. A demonstração impressionou a platéia com batalhas épicas, inteligência artificial avançada, efeitos de iluminação de cair o queixo e gráficos de ponta. Nas palavras do próprio Pitchford e gravadas para a posteridade, a exibição era composta por "jogabilidade em tempo real".
Dois anos depois e apenas uma das diversas cenas apresentadas na demonstração entrou de fato no jogo final. Radicalmente alterada, segundo o Destructoid. E nenhuma das qualidades técnicas exibidas sobreviveu. A comparação entre o que foi apresentado e o resultado atual é assustadora:
Você pode argumentar que o criticado roteiro do jogo foi aprovado pela 20th Century FOX, detentora da marca "Aliens". Você pode argumentar que a má-qualidade do produto foi resultado do trabalho terceirizado da agora finada Timegate Studios. Você pode argumentar que a Sega resolveu apressar o lançamento em sua reta final, depois de seis anos injetando dinheiro no projeto. Não há provas de que este mesmo dinheiro da Sega tenha sido investido na produção de Borderlands 2, apesar dos indícios. Para tudo isso, a Gearbox Software pode sair pela tangente.
Mas ninguém pode negar que Randy Pitchford mostrou um jogo completamente diferente em 2011.
Nem Borderlands Escapa
"Mas eles fizeram Borderlands". Esse é o argumento repetido à exaustão, como um mantra, pelos fãs do mundo de Pandora. Porém, mesmo Borderlands tem um esqueleto no armário. E ele se chama CodeHunters...
O vídeo acima não é um trailer de Borderlands, não é um tributo de fã. É um curta-metragem de animação criado por Ben Hibon para a MTV Asia, em 2006, três anos antes de Borderlands ser lançado, um ano antes dele sequer ser anunciado.
Há uma perturbadora similaridade entre a atmosfera do curta e o visual final do jogo da Gearbox Software. Perturbadora o suficiente para se transformar em uma matéria da Forbes, que foi investigar o que aconteceu nos bastidores.
Se você ainda não está convencido das similaridades, compare dois frames do curta com frames do vídeo de abertura do jogo:
Borderlands não nasceu com este visual, como alguns podem lembrar. Inicialmente, sua estética era bem genérica e não havia o uso de cell-shading, com gráficos puxados para o fotorrealismo. Nas próprias palavras de Brian Martel, CCO da desenvolvedora, "não queríamos ser considerados um Rage de pobre". Foi quando o jogo sumiu dos radares por quase um ano para ressurgir com sua cara "única".
Coincidência não é uma explicação fácil desta vez. Randy Pitchford em pessoa elogiou CodeHunters em 2010, quando o Reddit detectou as semelhanças pela primeira vez. E com a maior cara de pau do planeta afirmou que "eu gostaria de agradecer aos sites de notícias que optaram por compartilhar este magnífico trabalho do CodeHunters com seus leitores. É um conteúdo fantástico e ninguém pode duvidar que um bom número de artistas e designers na Gearbox foram inspirados e influenciados por ele".
E o que a Forbes descobriu vai mais além: Ben Hibon e sua equipe foram de fato contatados pela Gearbox em 2008, antes da reformulação de Borderlands, para trabalhar no jogo. Ele e sua equipe trocaram e-mails com a desenvolvedora sobre a possibilidade de dirigir algumas cutscenes. A parceria nunca foi pra frente e Hibon esqueceu-se do fato até ver o jogo pronto um ano depois. "Eu nunca criei ou desenhei nada para a Gearbox ou Borderlands. A Gearbox viu meu trabalho e decidiu reproduzi-lo, se apropriando dele, sem minha ajuda ou meu consentimento".
De acordo com a Forbes, a prática continua dentro da Gearbox Software:
A imagem da esquerda é um pôster encartado na versão física de Borderlands 2. O da direita é uma arte de Olly Moss para uma série de pôsteres alternativos de Star Wars. Não apenas são muito parecidos, eles representam o mesmo conceito. Moss não gostou das semelhanças. Pitchford? Outra vez admitiu que sua empresa se inspirou no trabalho de outrem e que a arte é assim mesmo. Aparentemente, Moss e a Gearbox chegaram a algum tipo de entendimento. Mas só depois que o ventilador já estava sujo.