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Reunião de Pais e Mestres

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No final de Março, virou notícia a atitude tomada por um conselho escolar na Inglaterra. O Nantwich Education Partnership enviou uma carta ameaçando denunciar à polícia e à assistência social pais e responsáveis que permitissem que seus filhos jogassem títulos incompatíveis com sua faixa etária.

Foi o estopim da polêmica.

Em uma primeira leitura do caso, é fácil se posicionar que a medida é exagerada, que "Escola não deve se meter na criação de filhos", que "eu cresci jogando Mortal Kombat e sou normal", que esses educadores nem sabem do que estão falando direito. Com tantos exemplos estúpidos de Censura, onde até o inofensivo Minecraft corre o risco de ser proibido em todo um país, a reação imediata é louvável.

Entretanto, o mesmo Eurogamer que apurou a questão originalmente, também ouviu o outro lado: o depoimento de um professor inglês que relata direto da linha de frente o que está acontecendo e qual era o real intento da carta do Nantwich Education Partnership.

Não se trata de um ataque à indústria dos jogos. Não se trata de mais uma voz clamando que títulos violentos geram seres violentos. Não se trata de histeria.

Porque o problema que a proposta quer atacar não são os jogos. São os pais.

De acordo com a Eurogamer, esse professor anônimo não trabalha no momento nos colégios cobertos pelo Nantwich Education Partnership, mas já trabalhou e tem vários colegas que ainda dão aula nestas instituições. É importante frisar que o professor é assíduo jogador e leitor da Eurogamer, caso alguém questione seu gabarito para falar do tema. Segue a tradução parcial do depoimento (grifo por minha conta):

"A carta foi mais do que exagerada para passar a mensagem. Comunicação sobre jogos é muito difícil. Pais estão ignorantes ou apáticos sobre o que os jogos realmente são. Eu sei que a minha escola teve palestras sobre segurança cibernética onde nós convidamos todos os pais para virem e conversas com eles sobre mídia social e jogos. O comparecimento era mínimo; um punhado, números de um dígito de pais que vieram para aprender a respeito. Eles são pessoas ocupadas e não querem falar sobre isso, mas levar a mensagem tem se mostrado difícil para os professores. Nós estamos vendo o impacto em sala de aula. Mesmo conversando um a um com os pais, alguns deles seguem as orientações de acordo, mas alguns não.

Então, a carta foi apenas uma forma de dizer 'veja, isso é um problema'. É algo que escolas deveriam ser obrigadas a reportar. É parte de um cenário maior de negligência geral. Eu não acho que deveria ser 'se uma criança parece estar jogando Call of Duty' isso deveria ser reportado. Isso é um item de vários itens.

(...) É um impacto muito real. Eu pessoalmente não vi nenhuma criança agindo de forma mais violenta por causa de jogos. O impacto é mais em ficarem assustadas com coisas que viram ou coisas que jogaram. Five Nights at Freddy's foi muito popular em nossa escola por um tempo. Five Nights at Freddy's não soa especialmente assustador. Está na App Store. É um daqueles que poderia passar por baixo do radar de muitos pais.

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Eu tive dois alunos em particular que estavam cabeceando em suas mesas. Quando eu perguntei a eles em separado, ambos disseram 'oh, eu não consegui dormir porque estava assustado com este jogo'. (...) Eu acho que isso é um problema.

Há alguns que irão apenas jogar ao invés de fazer qualquer outra coisa. Eu lembro quando eu era garoto, meus pais se preocupavam com quantos jogos eu passava jogando. Quando isso vem junto com falta de atenção em casa ou conflitos em casa e sua única forma de entretenimento são jogos violentos, isso pode ser um problema.

Meus alunos tem oito anos. Alguns tem nove. Muitos deles recebiam mensagens através do Xbox Live, mensagens de voz, mensagens escritas, que podiam ser bastante rudes, ou convidando-os para jogar títulos para 18 anos, que eles não podem jogar, e então caçoando deles porque eles não tem permissão ou tem muito medo para jogar. É um outro canal de comunicação de que muitos pais são ignorantes. Isso foi mencionado na carta. Coisas como Facebook, WhatsApp e Xbox Live são métodos de comunicação que pais talvez não estejam cientes.

Uma mãe me disse que estava orgulhosa de que seu filho de oito anos podia jogar Call of Duty porque era para 18 anos. Eu disse 'mas é um jogo não recomendado para menores de 18'. E ela respondeu: 'oh, yeah, mas ele é muito bom. Ele pode jogar realmente bem'. Eu apontei: 'é para maiores de 18 anos mais pelo conteúdo do que pela dificuldade'. Ela nem ligou e disse que 'ele é muito maduro para sua idade. Eu acho que ele pode lidar com isso'.

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Há uma percepção entre vários pais de que a classificação etária reflete nível de dificuldade. É uma questão de terminologia. Jogos, em um sentido mais amplo, sempre tiveram pelo termo 'jogos'. A natureza do termo 'jogos' sugere uma brincadeira, não necessariamente algo com uma narrativa, ou algo que potencialmente poderia ser desconcertante ou violento. Isso é um problema em relação aos pais também.

Eu acredito que a indústria dos jogos fez um bocado  com a classificação PEGI e restrições de idade em consoles. A carta não aponta dedos para os jogos em si ou a indústria de jogos. A carta menciona como diversos jogos podem ser construtivos e influências positivas na vida de uma criança.

(...) Esta carta foi um esforço para influenciar pais e tornar os pais mais atentos de suas responsabilidades. Eu não acho que a carta por um momento seja um ataque contra os jogos ou contra a indústria, embora eu ache que um bocado de comentaristas da Eurogamer tenham percebido desta forma.

Os professores que escreveram aquela carta não queriam fazer ameaças. Mas essa não foi a primeira tentativa de comunicação. Esta carta é mais como um último recurso.  (...) Algumas pessoas acham que esta foi a primeira coisa que os professores fizeram, que seus monóculos caíram em suas xícaras de chá e eles  ficaram 'ai meu Deus, isso é terrível, nós temos que escrever uma carta'.

Na minha escola nós convidamos os pais para falar sobre segurança online e jogos eletrônicos. Cada vez mais, jovens professores como eu cresceram com jogos. Eu tive conversas com pais sobre jogos. Esta carta, esta ameaça, é um pouco tosca, mas os professores tentaram. Eu vi em nossa newsletter, 'chegou à nossa atenção que muitas crianças estão jogando títulos que talvez sejam inapropriados para eles. Por favor certifique-se de que qualquer jogo jogado pelo seu filho seja apropriado'. Os professores tentaram isso. Este diálogo foi tentado antes e teve sucesso limitado. Os professores não começaram com ameaças. (...)

Nós fizemos diversas tentativas de chegar até os pais para tentar educá-los. Sim, a indústria dos jogos fez muito, mas eu gostaria que os leitores entendessem, é um problema não por causa da violência mas porque as crianças estão assustadas, ou porque os jogos são usados como pais substitutos em casa. O problema está quando a criança é deixada com nada além de jogos. Eu nunca ouvi um professor dizer 'Fulano tomou um soco de Beltrano porque andavam jogando Call of Duty'. O problema são crianças assustadas por coisas que veem e isto está tendo um efeito em seu bem-estar.

Minecraft

(...) Minha mensagem para os leitores da Eurogamer é esta: ajudem a educar. Não apenas torçam o nariz para professores que estão tentando levar uma mensagem. Se você tem parentes que não jogam, mas tem filhos, deixe eles saberem que Minecraft é fantástico e emocionante, mas não permitam que joguem online sem supervisão porque eles podem potencialmente jogarem com estranhos. Diga a eles que há inúmeros jogos de iPad que são fantásticos, mas há alguns que são realmente assustadores, como  Five Nights at Freddy's. Ajude os professores. Ajude-nos a garantir que as crianças curtam os jogos como eles devem ser curtidos."

Minha opinião: jogos, filmes, desenhos, livros, passeios são todos excelentes oportunidades para pais e filhos interagirem. Esse laço, esse companheirismo, esse divertir-se-junto é muito mais importante do que a ferramenta utilizada. É inesquecível, é inquebrável. Em contrapartida, jogos, filmes, desenhos, livros ou mesmo a companhia dos amigos, em detrimento do relacionamento entre pais e filhos, o velho "dá esse trocado para o garoto e faz ele sumir daqui", o eterno "vai pro seu quarto e não me aporrinha",  o novo "toma seu tablet e fica quieto", são sempre prejudiciais, independente da forma como a criança é alienada do convívio.

A infância é curta. A oferta de jogos específicos para este público não é. Haverá um tempo para Call of Duty. Se a pressão social for muito forte, explique. Quebre o sistema. Se torne o companheiro que seu filho merece. Jogue com ele. Call of Duty, se for o caso. Sem excessos. Sem neuras. Não o deixe trancado no quarto, com um canal aberto para o esgoto que existe lá fora (e existe, se o cenário já é perturbador na seção de comentários de um jornal, imagine em outros lugares).

Casa de Ferreiro

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Em minha casa, minha esposa não joga. É professora e já tivemos embates sobre a "influência maligna" dos jogos. Casa de ferreiro... espeto de ferro, consegui argumentar minha posição. Há tempo para tudo (talvez tempo demais para desenhos animados...) e, por trabalhar em casa, acompanho de perto sua educação também. Há sempre 5 opções de jogos adequados no computador para ele. No momento são: Goat Simulator, Pid, Costume Quest, Lost Vikings e Rayman Origins. Como o meu PC é o console dele, é impossível ele jogar sem a minha companhia. Muitas das vezes dividimos o teclado. Sei que um dia essa proximidade vai terminar e, por questões tanto financeiras quanto sentimentais, vamos adiando o momento de ele ter seu próprio computador. Quando tiver, ficará do meu lado. Imagino as LANs que iremos armar.

Mas a curiosidade é uma praga e ele curte olhar os meus jogos. Conhece Killing Floor, brinca imitando os monstros. É tudo uma grande farra para ele, mesmo com o sangue. Observo atentamente. Segue o doce de criança de sempre. Conheceu Dead Island (bem menos, ele era ainda menor e o jogo ainda mais sangrento), Guild Wars 2 (adorava os pets do Ranger), riu das minhas derrapagens em GRID, foi de grande ajuda em bolar armadilhas para Sang-Froid. Ironicamente, não curtiu Call of Duty: Modern Warfare ou Battlefield 4. Porém, na maior parte do tempo, jogo depois que ele foi dormir.  E certos jogos eu escondo dele. Nada de The Walking Dead ou Amnesia ou mesmo A Bird Story. Experiências mais maduras exigem uma mente mais madura, não adianta apressar o relógio.

Ele não gosta de novela. Minha esposa já tentou. Ele odeia. "Tem muita violência, muita briga", ele diz. Ela rebate que nos jogos que eu tenho há muito mais. Ele rebate: "mas é tudo mentira, coisa de monstro que não existe".

E sai pela casa imitando os movimentos do Fleshpound.

Fleshpound

Ouvindo: Johnny Cash - The Man Comes Around

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